Ricardo V. Malafaia 01/out/2017
Ao longo das últimas semanas, temos convivido com alguns episódios envolvendo polêmicas relacionadas à exposição ou apresentação de peças artísticas que acabaram ferindo, e até ofendendo, o sentimento de algumas pessoas. Veio então, novamente à tona, uma recorrente questão: a liberdade de expressão artística pode ser, de alguma forma, restringida? Ou ela é absoluta?
Podemos destacar três recentes acontecimentos. Um deles foi o cancelamento pelo Santander Cultural de Porto Alegre da exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira”, após críticas de movimentos religiosos e entidades civis, alegando blasfêmia e apologia à pedofilia. Segundo seus organizadores, a exposição tinha como mote a diversidade e as questões LGBT.
O segundo acontecimento foi a suspensão em Jundiaí e a manutenção em Porto Alegre da peça “O evangelho segundo Jesus, Rainha do céu”. Nela, Jesus Cristo era vivido por uma atriz transexual. E o mais recente envolve a interação de uma criança e de sua mãe com um artista nu, durante sua performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Todas estas três ocorrências foram imediatamente seguidas por enxurradas de protestos.
Na verdade, apesar de todas as suas imperfeições, desde a Grécia Antiga, ainda não se concebeu melhor regime político do que a Democracia. E um de seus mais importantes pilares, senão o mais essencial, repousa na liberdade de pensamento e de expressão. É justamente ela que gera e alimenta todas as outras liberdades. Esse direito está assegurado, tanto em nossa Constituição de 1988, como na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1949.
Na realidade, Democracia e censura são incompatíveis, uma vez que traduzem inspirações completamente antagônicas. Porém, este último conceito tem sido usado de forma um tanto ou quanto atrapalhada. De fato, a censura é uma maneira de se limitar a liberdade de expressão, porém, normalmente exercida por um regime ditatorial.
A liberdade de expressão deve ser praticada por todos! Se um artista deseja expor sua obra, tem todo o direito de fazê-lo. Porém, se alguém se sentir ofendido com ela, tem também todo o direito de protestar! Não podemos perder de vista a percepção de que as críticas à exposição de quaisquer obras de arte também fazem parte do jogo democrático! Ao se sentir ofendido, qualquer cidadão não apenas pode, mas deve criticar, reclamar e expor toda a sua revolta. Isso não é censura. É Democracia, em seu estado mais puro!
Na referida exposição ocorrida em Porto Alegre, por exemplo, diversas imagens expostas acabaram agredindo o sentimento de muitos, como a que colocou Jesus em forma de macaco no colo de sua própria Mãe. Ou uma outra, onde representava uma mala repleta de hóstias, elemento tão sagrado aos católicos e ligado à Eucaristia, onde, em cada uma delas, apareciam palavras como “língua”, “vagina” e “ânus”. Pergunta-se então: os fiéis, sejam eles católicos, evangélicos, muçulmanos, judeus ou de matrizes africanas, podem defender a sua própria fé, mobilizando-se para que seus sagrados não sejam de alguma forma profanados?
Evidente que sim! E foi devido aos protestos daqueles que se sentiram ofendidos que o Santander Cultural desculpou-se e cancelou a exposição. Afinal, não quis ter a sua imagem associada ao desrespeito de símbolos e crenças. E para aqueles que acharam que o cancelamento da exposição foi uma espécie de censura, entenda-se que uma empresa privada pode decidir por qualquer caminho que julgar mais pertinente. Isto não é censura. É liberdade!
A criança, por sua vez, como ser indefeso, não pode ter acesso a quaisquer programações ou obras de arte, como se fosse um adulto. Em muitos museus de países desenvolvidos, por exemplo, certas obras só podem ser vistas se estiverem acompanhadas por seus próprios pais. Verdadeiramente, toda criança precisa ser protegida! O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. Que isso seja respeitado!
Voltando, portanto, à pergunta inicial, a liberdade de expressão artística pode ser, num contexto democrático, limitada? E a resposta a essa questão é não. Não há mais espaço pra essa limitação. Não nos esqueçamos, em nenhum momento, de que essa liberdade está assegurada em nossa Constituição. Entretanto, todo e qualquer cidadão ou entidade civil que se sentir ofendido deve lançar mão de qualquer meio legal, para que a sua fé deixe de ser afrontada. O que vale lá, vale cá!
Na ocasião da horrorosa chacina contra o jornal francês Charlie Hebdo, as manifestações de repúdio tiveram uma diferenciação. Para muitos, foi um absurdo atentado contra a liberdade de expressão. Ponto! Mas para outros, mesmo veementemente condenando o massacre, foi uma tragédia anunciada, pois a fé islâmica vinha sendo, na visão de quem se sentia ofendido, sistematicamente afrontada. Em tempos de extremos, a prudência é uma boa conselheira!
Como explicar a uma outra pessoa que não professa a mesma fé, ou que não acredita em nenhuma religião, que o uso de imagens sagradas, em determinadas situações, machuca e agride o próximo? Reparem! Não estamos mais falando de liberdade de expressão. Estamos, na verdade, falando apenas de fé! E fé não é para ser entendida. É para vivenciar, ou, no mínimo, respeitar!
Num mundo onde o respeito ao próximo é, talvez, o maior bem a ser buscado, por que não inserir neste esforço o respeito à fé alheia? Se a liberdade de expressão é fundamental para a caminhada da humanidade, o respeito à fé do outro também se faz necessário. De fato, ambos os valores podem e devem caminhar juntos. Àqueles ligados à arte que não entendem, ou falta sabedoria ou apenas talento!
Respondendo à sua pergunta:
“A liberdade de expressão artística pode ser de alguma forma,
restringida”?
SIM!!! PODE!!!
Principalmente no caso da exposição “Queermuseu”!
Eu achei literalmente uma afronta aos princípios morais e religiosos!
Obras como a da artista Adriana Varejão, apresentadas nessa tal exposição, nem posso considerar
Arte!!!
Muito boa reflexão, especialmente neste momento de intolerância e opiniões polarizadas! Abs
Gostei muito da sua visão, realmente estava curiosa para saber a sua opinião. O que mais gostei foi que você não criticou apenas por pudor ou algo do gênero, mas sim por algo muito mais importante, o respeito. Genuíno afirmar que justamente pela liberdade de expressão , todos que se sentem ofendidos têm o direito e até mesmo o dever de protestar.
Liberdade de expressão sob todas as formas deve ser ampla , mas de acordo com princípios de moralidade ética e respeito ao próximo . O que significa dizer que não é absoluta. O contexto social é um veículo de aprovação ou repúdio de toda e qualquer manifestação atentatória a dignidade e aos bons costumes. Vale lembrar que temos responsabilidades com tudo aquilo que fazemos em nome da LIBERDADE. Pois as consequências podem gerar o caos social e a degradação dos bons costumes. As crianças como enfatizado no texto, devem ser protegidas e orientadas para que possam se tornar adultos responsáveis e conscientes. A liberdade termina no limite do outro. Heis a questão…… penso que a liberdade de expressão é uma explosão de crescimento emocional e cognitivo, mas sem EXTREMISMO!!!!! Valeu Ricardo! Adorei o texto.
Concordo com a liberdade de expressão, no entanto, tem que ser respeitado o valor moral, religioso, dentre outros, do próximo. O artigo do ECA mencionado no texto define claramente o direito ao respeito. Acredito que a liberdade termina quando, de certa forma, atinjo a dignidade e a moralidade de terceiros. Liberdade de expressão sim. Sempre! Porém o respeito ao próximo é fundamental. No episódio das crianças entendo que houve um desrespeito à moralidade, pois se trata de incapazes que sequer sabem se manifestar, não tendo condições emocionais para analisar corretamente a situação em que foram colocadas, sem esquecer que ainda estão em formação. De qualquer forma, penso que para vivermos em sociedade tenos que nos expressar livremente, mas observando o espaço alheio, sem agredir o outro. Parabéns pelo texto!
Concordo. Por que desrespeitar a fé das outras pessoas? Desnecessário.
Concordo totalmente! A arte não pode ser engessada por credos religiosos, políticos ou ideológicos. Ela precisa de total espaço para se manifestar. Entenda quem for capaz, goste quem gostar, assista quem quiser. Censurar, jamais!