Acomodados por opção, resignados por vocação!

Ricardo V. Malafaia     19/nov/2017                                                                                                             

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A França, no século XVIII, era governada por uma monarquia absolutista, cujos privilégios eram mantidos por pesados impostos cobrados dos trabalhadores urbanos, dos camponeses e da pequena burguesia comercial. Traduzindo em miúdos, havia uma Corte inútil e sua vida nababesca sendo sustentados pelas classes média e baixa. Algo familiar?

Inspirados pelos ideais Iluministas, e após a sua insatisfação com as injustiças sociais atingir níveis insuportáveis, o povo perdeu a paciência. E o que fez? Ora, simples. Foi às ruas e tomou o poder. Na marra! Maria Antonieta e seus brioches, o rei e grande parte da corte foram guilhotinados. Hoje a França é um dos países cujo cidadão mais se orgulha de sua nação!

Nestas terras tupiniquins, vivemos e convivemos diariamente com escândalos de roubos milionários. Com uma violência nos grandes centros desenfreada. Com milhares de mortes desnecessárias em hospitais públicos. Com um ensino básico e médio ridículos. E com um corporativismo nojento, lambuzado e enlameado pelos Três Poderes. E as perguntas mais importantes que podem, hoje, ser feitas; as únicas que fazem algum sentido: POR QUE A POPULAÇÃO ACEITA TUDO QUIETA? QUAL É O NOSSO LIMITE? MELHOR, TEMOS ALGUM?

Por diversas vezes, vimos, em filmes de “western”, o vaqueiro domar um cavalo chucro. E, após amansá-lo, colocar o cabresto e montá-lo, sem maiores problemas. Na verdade, com as técnicas corretas, o processo da doma pode ser extremamente eficaz. Contudo, desgraçadamente, não são apenas os cavalos que podem ser domados. Um povo também pode, mesmo que não se dê conta disso!

Muito se tem dito sobre o fato dos acontecimentos que ocorrem no Rio de Janeiro representarem com fidelidade o que se passa com o Brasil. A valer, esta perspectiva corresponde à mais absoluta verdade. Presidente investigado, ex-presidente condenado e ex-governador preso. Câmara Federal e Assembleia Legislativa, a qualquer custo, protegendo os seus próprios bandidos. Tribunais Superiores do Judiciário envergonhando a nação!

Com efeito, já nos é bastante claro do que todos eles são capazes. Entretanto, quão dispostos a enfrentá-los estamos nós? Nestas poucas semanas de atividade, todos os artigos publicados pelo blog “Aonde vamos, Sociedade?” foram muito compartilhados, inclusive no exterior. Somente na Europa, nossos artigos já foram lidos em quase uma dezena de países. Contudo, apenas um artigo nosso foi menos compartilhado. E justamente o que fala de forma especifica sobre corrupção, “Como agir com os corruptos?”. A nós, ficou claro, portanto, que esse tema mobiliza menos as pessoas, surpreendentemente!

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Mas se a corrupção cometida pelos que nos representam e a manutenção dos seus privilégios estão nas raízes de nossos maiores problemas, por que o desinteresse da sociedade pelo tema? Por que a nossa revolta não se traduz em ações mais contundentes? Por que não agimos como aqueles franceses fizeram há mais de duzentos anos?

Nesta sexta-feira, por exemplo, quando os senhores deputados estaduais decidiram soltar o presidente da Assembleia e mais dois colegas, um limitado grupo protestava em frente ao prédio. Em contrapartida, centenas de milhares de pessoas devem participar  da passeata do orgulho LGBT a ser realizada neste final de semana na cidade do Rio. Na edição anterior, 600.000 pessoas compareceram, inclusive com a participação de vários artistas. Tendo em vista a disparidade entre os números de pessoas presentes nos dois eventos, será então o segundo tema muito mais importante para o futuro da cidade do que o primeiro?

Entre o último impeachment e as próximas eleições, o povo decidiu lavar as mãos. Cada qual tocando a sua própria vida. Mesmo sabendo que somos vistos como insignificantes pelos que nos governam. E isso não nos incomoda? Incomoda muito, certamente. Mas… Pensando bem, nada que uma viagem de férias não resolva. Ou que um churrasco com os amigos não solucione. Não é verdade? Privilégios e a impunidade para todos eles, os eficazes corruptos! Pão e circo para todos nós, os acomodados por opção, os resignados por vocação!

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Há um interessante vídeo de Ronald Reagan, visto pelos americanos como um de seus melhores presidentes de sua história, que há muito viralizou. Nesse vídeo, ele diz: “Nossa revolução foi a primeira da História da Humanidade (referindo-se à Declaração de Independência) que realmente mudou o rumo do governo. E com três pequenas palavras: nós, o povo. Somos nós, o povo, que dizemos ao governo o que fazer. E não o contrário”.

E continua: “Nós, o povo, somos o motorista, e o governo, o carro. E somos nós que decidimos para onde ele deve ir, por qual rota e em que velocidade. Quase todas as constituições do mundo são documentos nos quais o Estado diz aos seus cidadãos quais são os seus privilégios. Nossa Constituição é um documento pelo qual nós, o povo, dizemos ao governo aquilo que lhe é permitido fazer. Nós, o povo, somos livres”!

Como estamos longe!

O título deste artigo traz uma certeza: somos um povo historicamente acomodado. Mas também traz uma provocação. Afinal, é nossa vocação sermos resignados? Cada um de nós procura agir com responsabilidade dentro de nossa atuação profissional e também no âmbito familiar. Mas, como cidadãos, qual tem sido a nossa atuação política? Na verdade, ser cidadão é também fazer política! Todavia, diferentemente dos outros povos, inclusive dos nossos vizinhos argentinos, somos politicamente cegos, surdos e, sobretudo, mudos!

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Os cariocas, que têm sido governados por quadrilhas há muito tempo, roubados e achincalhados, acuados por uma violência sem fim, veem seu Estado totalmente falido. Diante da impunidade que não termina, deveriam em massa ir às ruas, às centenas de milhares. E ocupar, por exemplo, a Assembleia Legislativa. Por um longo período. E fazendo dela a sua própria Bastilha. Até o momento que a justiça se fizesse!

A equação de nosso futuro sente falta de uma variável importante, que sem ela, não encontra solução. E essa lacuna somos nós. Enquanto agirmos exatamente como os quadrilheiros do poder querem, e planejam, continuaremos sendo “um simples vazio”. Uma nuvem que não chove! Um cão de guarda que não morde! Um vigilante que não vigia! Na verdade, nós não temos a mínima noção de nossa própria força. Nem de nossa responsabilidade. O perigo é termos a consciência delas tarde demais!

 

 

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8 comentários

  1. Oi Beth. Ser medíocre é ser mediano. O nosso povo pensa pequeno. Se contenta com pouco. Mas há saída! E ela passa pela inquietação de cada um de nós. Precisamos de bons projetos, de articulação e determinação. Não esmoreça. Vamos em frente!

  2. O Brasileiro é um povo medíocre pois só pensa em carnaval e futebol. A previdência sendo mudada e NINGUÉM faz nada.
    O que esperar desse povo???

  3. Mas se tomarmos a mão do nosso destino, seremos capazes de reduzir estes 100 anos para 50, 40 ou 30. Se o povo se der conta da sua própria força e desenvolver uma capacidade de se indignar de verdade, poderemos viver o início desta mudança ainda na nossa geração! Obrigado Cláudia.

  4. Com picaretas não há conversa. Eles não têm remorsos nem consciências. É colocá-los na cadeia e jogar as chaves fora! Obrigado Ricardo.

  5. Verônica, somos reféns porque permitimos. Na hora que decidirmos o contrário, deixaremos de ser. Só precisamos transformar a nossa indignação em atitudes mais contundentes! Menos acomodação e mais articulação.

  6. Sim. Estamos muito longe. Pelo menos 100 anos de atraso em relação aos países onde há qualidade de vida e o povo têm consciência de seu poder e do que é cidadania.

  7. E tem mais um detalhe Ricardo, essa sessão foi convocada às pressas em pleno recesso devido aos feriados dos dias 15 e 20. Em que outro tipo de situação esses picaretas se disporiam a “trabalhar” no recesso senão em causa própria?
    Mas tem coisa aí que não se encaixa: as passeatas de 2013, deixaram bem claro que a população tem meios e poder de se mobilizar. E mesmo com a inexplicável omissão do carioca comum , ainda teriam os movimentos estudantis, tipicamente com viés de esquerda e a própria esquerda, sempre muito barulhenta, que teriam o maior interesse em expor, amplificar, repercutir essa situação, mesmo que só por politicagem, já que o Picianni é do PMDB. Muito estranho mesmo!

  8. Maravilhosa reflexão ! Concordo contigo ipsis literis Ricardo. Estamos reféns deste estado de corrupção , violência , falta de boa educação e saúde de qualidade!!!! Lamentável . Na verdade sabemos qual o caminho a ser tomado, mas temos que nos mobilizar para segui-lo com força , coragem e segurança . Este canal que vc criou é um caminho de união e divulgação dos nossos direitos e deveres como cidadãos dignos de um governo honesto e eficaz . Temos que materializar a nossa indignação com atitudes sérias, responsáveis e solidárias . Vamos nos organizando para uma manifestação positiva e despida de ódio e de baderna.

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