Ricardo V. Malafaia 09/abr/2018
Se o tempo é o senhor da razão, talvez o futuro possa reduzir o abismo que hoje separa as antagônicas visões dos que veem Lula como o seu grande líder, de um lado, daqueles que o enxergam apenas como um perigoso criminoso, do outro. O certo é que, nos atuais dias, a divergência em torno de sua figura, mesmo após a sua prisão, continua com viés de alta.
Mas para procurar entender tamanha polarização, melhor analisar as razões nas quais os diversos agentes efetivamente se apoiam. Seus seguidores, por exemplo, não compõem um único estrato da sociedade. De fato se encontram em variadas esferas, cada qual com diferentes características. Se há pessoas carentes que tiveram as suas vidas modificadas durante o seu governo, também há aqueles que, mesmo continuando na pobreza, identificam-se com ele, apenas, em função de sua origem comum.
Paralelamente, uma menor parcela da classe média, que já foi muito maior, enxerga Lula como, apesar de tudo, a melhor saída para que os mais desfavorecidos tenham, de novo, oportunidades para melhorar as suas vidas. Mesmo distribuída nas faixas superiores de renda, tem fortemente marcadas em sua memória a redução da desigualdade e a implementação de diversos programas sociais durante o seu governo.
E por que as denúncias de corrupção que têm pesado sobre Lula e o PT não foram suficientes para destruir o apoio que estes três grupos ainda mantêm? Na verdade, dependendo do perfil dos que o defendem, estas denúncias têm tido diferentes efeitos. Nos dois primeiros grupos, dos mais carentes, as denúncias são facilmente traduzidas para a linguagem da perseguição política, estimulada pela velha luta de classes, do rico contra o pobre. Uma vez que o seu efeito encontra eco diante da realidade do seu entorno, a “lógica” desta linguagem acaba se fechando.
Contudo, possivelmente a mais intrigante questão de todo este processo reside no entendimento do motivo pelo qual aquela menor parcela da classe média, devido ao seu esclarecimento e acesso às informações, ainda continua apoiando Lula. Por certo, para a outra parte da sociedade aclarada, fica difícil entender este visível paradoxo. Como milhões de pessoas bem informadas podem minimizar os efeitos desastrosos, na nação, provocados por uma corrupção endêmica?
Possivelmente, o entendimento desta aparente contradição passe por uma maior valorização da busca pela justiça social em detrimento ao combate à corrupção. Numa escala de valores, o primeiro superaria o segundo. Para esta parcela esclarecida da sociedade, Lula ainda representaria a carta mais alta para combater a pobreza. E diante deste embate de valores, as denúncias, as provas e os julgamentos são devidamente minimizados, ou relativizados.
Há também o grupo dos que sempre apoiarão Lula de forma incondicional. Por interesses, questões ideológicas ou simplesmente por fanatismo, estas pessoas formam um pequeno e barulhento feudo. Para elas, quaisquer provas contundentes que aparecerem não terão nenhum efeito. Por elas, o debate de ideias, a razão e o bom senso jamais serão acolhidos.
Na outra ponta, está a maior parcela da sociedade que acredita que Lula foi, até recentemente, um dos principais promotores da corrupção na máquina estatal. E, junto com Temer, Aécio e tantos outros, se o STF não partir para a respectiva blindagem, deverá pagar por seus crimes de lesa-pátria. Para estes cidadãos, a cadeia não é vingança. É justiça e exemplo.
Engana-se, entretanto, quem cai na esparrela do Lula quando este afirma que “aqueles que não querem a minha volta é porque acham que pobre, na cabeça deles, não pode ter direito. Pobre não pode comer carne de primeira, andar de avião e entrar na universidade”. Ora, isso é um ardil porque não condiz com a realidade, muito menos com a matemática dos fatos.
De acordo com diversas recentes pesquisas, mais da metade da população brasileira desejava que Lula fosse preso, o que acabou acontecendo. Mas diante desta sua citação, e fazendo uma análise bem rasa, chega-se ao seguinte impasse: ou Lula faz conscientemente uma afirmação falsa ou o país é composto, em sua maioria, por pessoas ricas. É evidente que esta sua retórica não passa de uma bravata política de fácil refutação! Pena que tantos inadvertidamente acreditem. A verdade é que dezenas de milhões de pobres e de ricos que odeiam corrupção se sentiram justiçados com a sua prisão. Simplesmente, uma questão de matemática!
Esta queda de braço em torno do Lula, protagonizada por estas forças antagônicas da sociedade, vem causando uma preocupante divisão entre brasileiros. Intencionalmente agravada, inclusive, pelo próprio Lula, por seus asseclas, pelo Bolsonaro, e por tantos outros interessados na ideia do “nós contra eles”. De maneira inconsequente, não se importam em jogar gasolina ao fogo. Suas eventuais conquistas políticas, em suas egoístas visões, compensariam a imposição do ódio entre irmãos.
O futuro, do alto do seu distanciamento, tem a capacidade única de julgar com mais isenção. Em relação à história de Lula, é fato que muita água ainda rolará. Dentro ou fora das grades, relevante papel político como liderança da Esquerda ainda lhe caberá. Todavia, por ser ficha-suja e condenado, não mais poderá, como Presidente, subir a rampa palaciana. Para tristeza de uns e alívio de outros, a sua principal história já foi escrita.
Sobre Lula, não sabemos o que a História mais enfaticamente registrará. Há relevância nos lados bons e ruins deste personagem. Sem dúvida alguma, a atuação de seu governo na área social foi um ponto alto, servindo até de exemplo, na ocasião, para o resto do mundo. A sua preocupação para reduzir a desigualdade social acabou elevando a altura do sarrafo. A partir de agora, quaisquer governos posteriores serão automaticamente cobrados para responder com efetividade ao imenso desafio social.
Entretanto, Lula, além de usar e abusar da mentira, prática comum em todos os outros governos, errou gravemente, sobretudo, em quatro pontos. Tentou controlar a imprensa, violando pilar fundamental da Democracia. Aparelhou a máquina pública, visando à perpetuação política. Procurou extrair dos jovens a capacidade de pensar, impondo a sua própria ideologia nos estabelecimentos de ensino público. E adotou a corrupção como prática normal e institucional para financiar projetos de poder. Se nos governos anteriores a corrupção era um câncer, a partir do seu transformou-se em metástase!
Hoje, a polarização é evidente. Para aqueles que vêm a justiça social como valor maior do que todos os outros, Lula não perderá a sua majestade. E para os que consideram a liberdade de imprensa, a não ideologização dos jovens e o combate implacável contra a corrupção como valores que jamais poderão ser ameaçados, Lula será sempre visto como um criminoso.
Sim, os dados estão postos e escancarados para a História ponderar. Pode ser que o futuro acredite na sua boa intenção inicial. E que sempre desejou lutar pelos pobres. Mas também que perceba que o seu pragmatismo o levou a trilhar caminhos tortuosos e amorais. E, ao não mais se considerar apenas um ser humano, mas uma ideia, acreditou ser mais importante do que a própria Lei. Talvez. O futuro dirá!
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Sensacional! Análise perfeita! Parabéns Ricardo.
Vou usar uma das frases que venho lendo nos últimos tempos, que melhor traduz meu sentimento: Não é o rico contra o pobre, não é a direita contra a esquerda e sim a nação contra a corrupção. Um pena os Lulistas enxergarem de uma maneira tão distorcida.