1964, um ano que virou refém!

Ricardo V. Malafaia     31/março/2019

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Muito se fala sobre 1964, mas pouco de fato se explica. Ficamos sempre com mais do mesmo, porque explicação nem sempre conversa com compreensão. Para uns foi golpe, para outros, revolução. Na verdade, formou-se um paralelismo de enfoques que jamais se encontrarão, pois as suas fontes, em suas origens, têm do mundo diferentes visões. Aprisionadas em seus próprios prismas, não conseguem entender que aquele período não conheceu mocinhos. Os envolvidos participaram de um enredo composto basicamente de figurantes e vilões.

Mas como assim? Não houve vítimas? Sim, claro que houve. E dos dois lados. Mas quase todos dos que vitimados foram não estavam em cena ingenuamente postos. Se, em tese, defendiam as suas próprias causas, suas nobrezas por terra caíram quando fora do escopo aceitaram agir. De nada vale teorizar o bem se praticar o mal. Customizar esta regra é, antes de os outros enganar, a si próprio ludibriar.

Houve, na verdade, dois eventos distintos. A tomada do poder em 1964 e o período que correspondeu aos 21 anos em que os militares continuaram dando as cartas. O primeiro foi muito mais um ato reativo do que ativo, pois foi precedido por um enorme anseio popular e pelo apelo de quase a totalidade da imprensa nacional. Não reconhecer este contexto como fato é nada mais do que esculpir a própria História para moldá-la ao seu próprio gosto.

O segundo evento ocorreu desprovido de demanda popular, pois não era este o “combinado”. Duas décadas no poder sem Democracia não fazia parte do roteiro, nem mesmo por aqueles que lideraram o 31 de março. O “acordo” era apenas tomar o poder e impedir que o totalitarismo de esquerda aqui aportasse. Ato contínuo, devolveriam ao povo a condução da Nação. Esqueceram-se, contudo, de um específico ponto: poder em excesso sempre encontra motivo para continuar onde está.

Muitas bobagens têm sido ditas. Não reconhecer que, nestas duas décadas, houve torturas; ou simplesmente as relativizar; ou até mesmo enaltecer quem as tenham executado é ofender a inteligência alheia. Da mesma forma, afirmar que aqueles que pegaram em armas para se opor ao regime militar ou ditadura lutavam pela restauração da Democracia é ridicularizar o bom senso. O que de fato intencionavam, como muitos daqueles reconheceram de forma clara anos após, era implementar uma “ditadura do proletariado”. Ponto.

Passa-se a impressão de que o país é composto por rebanhos. É incrível como, após cinco décadas, muitos ainda repitam certas afirmações completamente desprovidas de veracidade, e sem nenhum tipo de reflexão. Seguem um script determinado por terceiros, sem ao menos genuinamente se perguntar: “Será que aqueles que eu sempre defendi também não cometeram erros graves que eu jamais cometeria”?

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Não adianta olhar para aquele período e não contextualizar a situação. Em plena Guerra Fria a União Soviética “fungava em nosso cangote”, ameaçando derramar em terras tupiniquins o que já estava sendo feito em outros países da América do Sul e Central, da África e da Ásia, através de sua política expansionista. No Brasil, como no restante dos países latino-americanos, as duas maiores potências travavam um embate além-mar onde nós éramos os teleguiados.  O teatro de operações soviético-americano era aqui!

Com a Lei da Anistia e o retorno à Democracia o país retomou o seu curso natural. Antigos inimigos depuseram suas armas e se integraram ao regime democrático, muitos deles entrando para a política. O objetivo era cicatrizar feridas e seguir em frente. E assim foi feito!

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Entretanto, anos mais tarde, o Mensalão veio à tona. Aqueles que estavam no poder, naquela ocasião, sem condições para explicar o que não tinha explicação, recriaram, como bode expiatório, a divisão ideológica. Assim, no rastro desta obscura estratégia, a polêmica sobre golpe ou revolução foi intencionalmente ressuscitada. E os rebanhos convocados para uma nova missão. Nada mais eficaz para desviar o foco de investigações e condenações do que inventar uma “guerra santa”.

Em dezembro de 1941 o Japão lançou o ataque à Pearl Harbor matando mais de 2.400 americanos. E, em agosto de 1945, duas bombas atômicas lançadas pelos ianques dizimaram mais de duzentos mil japoneses. No entanto, apesar de tanto sofrimento, os EUA injetaram alguns bilhões de dólares nos anos seguintes, tornando os dois países parceiros há várias décadas e estabelecendo uma estreita aliança que tem sido essencial para a estabilidade geopolítica da região.

O que isso tem a ver? Se, diante deste imenso trauma sofrido ao final da Segunda Guerra, antigos inimigos lograram seguir adiante juntos, por que nós não conseguimos fazer o mesmo uma vez que a nossa ferida foi muito menos profunda? O motivo real é que sequestraram 1964. Desenterram um período de nossa História que o tempo já tinha pacificado para que política e ideologicamente pudessem “faturar em cima”. Apostaram na miopia dos formadores de opinião e na divisão de uma Nação. E ganharam.

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A discussão se foi ou não golpe ou se a época dos governos militares foi ou não benéfica ao país não mais importa. Já se passaram 55 anos! Estamos num novo século e o mundo mudou completamente. Quanto mais a imprensa remexe no assunto ou quanto mais governo e oposição relembram o período, mais amarrado ao passado estaremos.

Que 1964 seja libertado dos aproveitadores e dos bitolados, tanto da Esquerda quanto da Direita. E que finalmente descanse em paz! Conhecer a nossa História é fundamental. Mas revivê-la a todo tempo é desnecessária e inócua. O futuro é o que importa, e é por ele que precisamos colocar toda a nossa energia. Temos um país para construir!

 

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Um comentário

  1. Isso aí. Página virada e seguir em frente, todos na mesma direção para o desenvolvimento do nosso país e a busca do “bem comum”, a qualidade de vida para todos!!!

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