Ricardo V. Malafaia 18/outubro/2020

Abandonando o viés negativo que condena, a origem grega da palavra “crítica” revela-se verdadeiramente como “a arte de julgar”. E, assim sendo, a qualidade desta arte ligada diretamente estará ao mínimo distanciamento e à necessária reflexão entre o agente crítico e o agente criticado. Quando, porém, bica-se o distanciamento para escanteio e a reflexão para a arquibancada, a emoção vence de goleada. E a razão, de cabeça baixa, tira o seu time de campo.
Vivemos tempos de pouca luz. E entre uma penumbra aqui e uma meia claridade ali, as posições são tomadas com desproporcional veemência. Para que distanciar-se e refletir? Agir no automático é mais prático, rápido e, cá entre nós, não causa dor. Dificilmente, contraria-se a própria emoção em prol da razão. Como é difícil exercer o tal do “pensamento crítico”!
Entre as nádegas da impunidade e os “habeas corpus” dos “quadrilhões”, reside um número sem fim de enganações. Que fiquem claras as imutáveis regras do jogo jogado: o papel dos que estão e já estiveram no poder é manipular; e dos que estão por aqui é ser manipulado. Não compreendê-las é libertar-se nas asas da ignorância ou, para os mais sensíveis, da própria ingenuidade.
As pérolas proferidas por autoridades e pelos formadores de opinião que se autoproclamam de Direita e de Esquerda são dignas de registro eterno. Possivelmente, daqui a muitas gerações, um museu será erguido reunindo todas elas. Talvez receba o nome de Museu Histórico dos Absurdos, onde os mais jovens dessa provável civilização mais evoluída, em contato com essas maluquices do passado, entendam a própria limitação da espécie humana.

Falando nas pérolas, não temos como não começar com a negação da pandemia do coronavírus. É provável que, por interesses pouco nobres, muitas mortes tenham sido arbitrariamente contadas como Covid-19. Entretanto, a despeito de quaisquer vídeos apresentando quem quer que seja em compasso de negação, basta conversar com médicos e enfermeiros que ficaram no front da doença durante o seu pico em qualquer grande centro. E, aproveitando, perguntar quantos colegas deles foram a óbito por excesso de exposição ao vírus. Quem realmente ainda tiver dúvida, experimente fazê-lo!
Outra pérola que ficará registrada é a crítica ao uso de máscara. Pode-se questionar a duração do isolamento social; a não adoção do uso do medicamento A ou B; ou um possível excesso quanto ao nível de pânico estimulado pela grande imprensa. Na verdade, excetuando-se situações como exercícios físicos ao ar livre, a eficácia do uso de máscara é facilmente explicada e comprovada pela ciência. Haja vista as equipes médicas fazerem uso dela em todas as cirurgias ao redor do mundo desde o final do século XIX, pois se impõe uma barreira física contra a transmissão de vírus e bactérias. E, evidentemente, o seu uso em nada impede que as pessoas retornem à sua vida normal.
Pérolas não tem sentido único. Vêm de todos os lados. “Fascinante” é a defesa do “Estado Democrático de Direito” por quem sempre teve a Cuba de Fidel como norte ideológico. Igualmente espantosa é a incessante tentativa de se colocar Lula e o PT como vítimas de Moro e da Lava Jato, apesar das decisões quase unânimes em diferentes instâncias.
Aliás, os desavergonhados e explícitos esforços articulados para se esmagar o combate à corrupção terão destaques especiais na galeria brasileira do futuro Museu Histórico dos Absurdos. Se não bastassem os fogos inimigos, temos agora o fogo amigo(?), personificado na figura do PGR e do futuro novo membro do Supremo.

Entretanto a cereja do bolo desses esforços pró-corrupção leva o pomposo nome de “garantismo”. Ora, quando Marco Aurélio solta um líder do PCC, depois de algumas dezenas de iguais contemplados, esconde-se de fato na trincheira da literalidade da lei. Ato que carrega covardia, ignorância e suspeita.
Seria até interessante que a literalidade da lei, e não a sua interpretação, fosse suficiente para julgar quem quer que seja. Bastaria um supercomputador para dar as sentenças. O país economizaria uma gigantesca fortuna com o fim do Supremo, do Superior Tribunal, e de todas as instâncias federais e estaduais da Justiça. Seria ótimo! Bastaria o supercomputador dando as sentenças, ladeado pelo Professor Pasquale para tirar qualquer dúvida de Português e pelo Arnaldo César Coelho repetindo “a regra é clara” para quaisquer questionamentos.

Falando francamente, no Brasil apenas 1% da população detém 30% de toda a riqueza nacional! No ranking da concentração de renda, estamos no glorioso 2º lugar, perdendo apenas para o Catar. E aí, petulantemente, aparece uma tal de Lava Jato para mudar isso. Que abuso! Não é assim não! Garantismo neles! E, contra o Sr. Moro, uni-vos, Esquerda, Direita e Centrão!
O antropólogo britânico Jack Goody explica na sua obra “Domesticação do Pensamento Selvagem” que o pensamento crítico só é possível quando conseguimos ler e reler um texto com distanciamento, repensando, refletindo e procurando separar o bem e o mal, a verdade da mentira.
Se o cidadão, por mais preparado que seja, decide não questionar toda e qualquer informação e raciocínio que lhe é entregue, melhor repensar sua posição na sociedade. Um país constrói-se com cabeças pensantes. Abrir mão da lógica e do pensamento crítico é entregar às futuras gerações mais do mesmo. E o Brasil precisa mais do que isso!
Muito bom o texto. E bem apropriado para o momento em que vivemos, pois estamos vivendo no mundo um momento de muita negação do que é real , para fazermos o que desejamos independente da realidade apresentada.