Ricardo V. Malafaia 25/outubro/2020

Há evidentemente um descompasso entre as inúmeras homenagens que o Rei Pelé tem recebido no exterior frente às pífias lembranças que têm surgido em sua terra natal, por ocasião das comemorações de seu 80º aniversário. Fosse o Rei inglês, francês ou de qualquer outra grande nação, sem dúvida alguma o seu povo e o seu país estariam em festa. Contudo essa nossa indiferença pode estar ligada muito mais à visão que temos de nós mesmos do que aquela a respeito do Rei.
Se aqui no país fosse feita uma pesquisa procurando conhecer a nossa opinião sobre Pelé, a grande maioria enalteceria o atleta, mas possivelmente desmereceria o Edson. E se uma segunda pergunta fosse feita na sequência para entender essa rejeição ao homem, um breve silêncio se seguiria até que o entrevistado produzisse alguma justificativa provavelmente vazia.
Se Pelé é quase uma unanimidade, por que o Edson tem sido tão apedrejado e depreciado há anos? O que ele fez para merecer isso? Roubou? Drogou-se? Apoiou a Ditadura? Envolveu-se em violência doméstica? Foi acusado de estupro? Mentiu? Humilhou? Não. Ele não fez nada disso. Embora seja uma pessoa pública, sua vida particular diz respeito só a ele e aos seus. Naturalmente, como qualquer ser humano, erros deve ter cometido. Mas nada que justificasse algum tipo de linchamento público.
O caso envolvendo o não reconhecimento de uma de suas filhas pode ter sido, de fato, a sua grande lacuna. Contudo ninguém sabe, ao certo, quais os reais motivos que o levaram a agir desta forma. E, portanto, quaisquer julgamentos podem ser, além de precipitados, parciais ou totalmente injustos.

Outra forte crítica que Pelé desde sempre sofreu foi o não posicionamento explícito sobre o preconceito racial. Assim como outro grande astro do esporte mundial, Michael Jordan, procurou focar em sua carreira esportiva e fazer com que o seu sucesso profissional inspirasse outros meninos de cor negra.
Sobre as ofensas que sofreu em campo quando era jogador profissional, Pelé contava: “Me chamavam de negro, crioulo, macaco, mas eu não ligava. Eu prefiro dar exemplos. Para a família, para os amigos e para os fãs. Essa é minha luta.” O que muitos não entendem é que uma luta pode ser travada de diversas maneiras. E Pelé escolheu a maneira na qual sempre acreditou: o exemplo.
E, por décadas, o seu exemplo arrastou uma imensa legião de fãs. Mundo afora, milhares de meninos de origem humilde e cor negra acreditaram que também podiam, pois viam na TV a imagem de um sucesso que julgavam ser negado a pessoas como eles. A magia que Pelé desfilava em campo tomava outra dimensão.
Verdadeiramente, a maneira pela qual Pelé escolheu lutar abriu portas que, mais à frente, fizeram com que outras fossem também abertas, permitindo, assim, que as vozes que agora lutam contra o preconceito racial pudessem ser melhor ouvidas e mais respeitadas. Muitos dos que hoje participam dessa luta talvez o critiquem pela maneira com que sempre agiu, ignorando, contudo, a sua enorme e fundamental importância como peça angular nessa construção.
Imaginem as atuais popularidades de Lionel Messi, de Cristiano Ronaldo, de Rafael Nadal, de Lewis Hamilton, de LeBron James, de Usain Bolt, de Michael Phelps e de mais quem quisermos reunir. Agora juntemos todas essas respectivas popularidades numa só pessoa. Ainda sim, o resultado dessa soma não terá a mesma dimensão daquela alcançada por Pelé. Não custa lembrar que o Rei do futebol tem sido, há mais de cinquenta anos, uma das pessoas mais conhecidas e reverenciadas em todo o planeta.

O tamanho de Pelé pode ser medido de diversas formas. Eleito como o maior atleta do século XX, foi “tietado” por presidentes americanos, reis, rainhas e artistas, como Frank Sinatra e como os próprios Beatles. Desde sua precoce realeza até hoje, não se passou um dia sequer, como ele mesmo tem contado, que, ao sair de casa, não tenha dado um grande número de autógrafos. E, vale ressaltar, com toda gentileza e humildade que lhe são tão características.
Então, diante de toda grandeza do Rei Pelé, por que tanta indiferença por parte de tantos brasileiros e agressividade por parte de muitos jornalistas? Curiosamente, certa vez Tom Jobim teria dito que o Brasil não perdoa quem faz sucesso. Em sintonia a este pensamento, Ozires Silva, ex-ministro da Infraestrutura e cofundador da Embraer relatou em palestra uma conversa que teve, num determinado jantar, com alguns suecos membros da secretaria que indicava os concorrentes aos Prêmios Nobel. Ao perguntar a eles por que o Brasil não tinha sido agraciado com nenhum Nobel, recebeu como resposta que tínhamos o hábito de destruir os nossos próprios heróis. E que todos os bons candidatos que surgiram foram derrubados pelos próprios brasileiros.
Esse complexo de vira-lata, cunhado por Nelson Rodrigues ao se referir ao sentimento causado pela derrota da seleção de futebol no Maracanã em 1950, talvez traga alguma luz sobre esse autodestrutivo comportamento da sociedade em relação aos seus próprios ídolos. Possivelmente, o único ídolo a ser salvo desse apedrejamento tenha sido o Ayrton Senna, pois morreu precocemente no auge de sua carreira.

A estatura de Pelé equivale a de um Muhammad Ali, e não à toa eram grandes amigos. Há alguns ídolos que se tornam mitos. Há poucos mitos que se tornam heróis. Há um mínimo de heróis que se tornam lendas. Pelé é uma lenda, ainda viva. Pena não entendermos o que os estrangeiros já sabem há tempos.
A um país que almeja um futuro não é permitido não zelar por seu passado. E Pelé faz parte de nossa História, numa das mais belas páginas já escritas por nós. Ainda há tempo para que possamos arrepender-nos e reverenciá-lo como merece em vida! Salve aquele que mais fez pelo nosso país! Vida longa ao Rei!
Concordo com tudo o que foi comentado.
A grande verdade é que o brasileiro detesta todo o brasileiro que faz algum tipo de sucesso!
Inveja?
Ótima crônica enaltecendo o incomparável e eterno Rei Pelé!!!
Graça
Aqui só se dá valor depois que morre!! Uma pena!! Pelé sempre foi um ídolo e está para nascer ainda alguém q jogue tanto como ele jogou!! O problema é q temos muitos juízes querendo julgar a vida alheia como se fossem perfeitos e infalíveis! Afif cansada dessa hipocrisia !! E Viva o PELÉ!! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼